Decisão pública e financiamento de medicamentos inovadores: um estudo empírico

O que é a ATS e qual é o seu papel nas políticas públicas de saúde?

Ninguém gosta de pensar no pior, mas imagine que um familiar seu é diagnosticado com uma doença grave para a qual não existe um medicamento, sob o argumento do custo “excessivo”. Desde logo, o que é um custo “excessivo” diante do valor de uma vida que para nós não tem preço? Esta é uma dimensão do problema. Porém, sabendo que os recursos disponíveis no setor da saúde são escassos, quão viável é para o Estado gastar 10 mil euros (valor aproximado) por doente naquele medicamento?

É aqui que entra a Avaliação de Tecnologias de Saúde (ATS) que, com base em avaliações clínicas e económicas informa decisões sobre se é exequível ou não financiar o medicamento que pode salvar a vida do seu familiar.

A ATS, em primeiro lugar, avalia se o medicamento oferece valor terapêutico acrescentado face a outros medicamentos alternativos, em termos de eficácia, segurança e qualidade de vida; em segundo lugar, estima se o ganho incremental em saúde justifica o custo incremental para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), tendo em conta a incerteza (clínica) e o impacto orçamental. Na prática, a pergunta não é “quanto custa este medicamento”, mas “quanto custa a mais e o que ganha a mais”, quando comparado com uma alternativa clinicamente relevante no SNS, que corresponda ao tratamento padrão ou em face da ausência de tratamento.

É desta forma que, embora a ATS legitime escolhas difíceis, sendo usada para estabelecer prioridades nacionais no financiamento de medicamentos inovadores, manifesta dilemas de distribuição de recursos, assumindo opções de valor que envolvem interesses poderosos, circunstância que aumenta não só a probabilidade de politização do processo, como a necessidade de maior escrutínio sobre a responsabilização política que lhe é inerente.

Decisão em ATS: uma investigação

Este é o ponto de partida da minha análise ao sistema de Avaliação de Tecnologias de Saúde português, o SiNATS (Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde), do qual faz parte o órgão que conduz a avaliação clínica e económica dos medicamentos inovadores, a CATS (Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde), com base em pareceres de avaliação clínica e económica.

A partir da análise a uma amostra reduzida de pareceres da CATS (45 documentos relativos a 10 medicamentos distintos, durante o período entre 2015 e 2025) procuro identificar e compreender como é que esses pareceres (escritos por peritos da CATS) combinam evidência clínica e económica com considerações institucionais, e justificam as decisões de financiar ou não o medicamento que o seu familiar precisa para sobreviver.

Uma vez que a confidencialidade de preços e condições de negociação pode limitar a avaliação pública das decisões de cobertura e financiamento de medicamentos, o que se traduz num problema de transparência e escrutínio, é muito relevante clarificar a que critérios, para além dos metodológicos, responde essa decisão.

Em prioridades de saúde há sempre conflito legítimo de valores. Abordagens como a accountability for reasonableness (responsabilidade pela razoabilidade) defendem que, quando não há consenso sobre o resultado, pelo menos o processo deve ser público, baseado em razões relevantes e permitir contestação. Sem clareza, o debate fica capturado por slogans, milagres terapêuticos, “racionamento”, “cortes”, perdendo-se a capacidade de aprender com decisões anteriores e de melhorar o processo quer da avaliação, quer da deliberação.

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